Vivendo em estado de alerta: o peso invisível das notícias negativas

A rotina digital transformou a forma como recebemos o mundo — e, muitas vezes, rápido demais. Para a psicóloga e psicanalista Camila Camaratta, as notícias negativas não apenas informam: elas atravessam o corpo antes mesmo de chegarem ao pensamento. É esse descompasso entre sensação e compreensão que explica por que tantas pessoas se sentem sobrecarregadas, ansiosas e emocionalmente esgotadas apenas por acompanhar o noticiário.

“O corpo reage primeiro. A amígdala dispara, o ritmo cardíaco muda, a respiração se altera. Somos empurrados para um estado de alerta antes de entender o que ocorreu”, afirma. Esse mecanismo automático, essencial para a sobrevivência, opera hoje de forma constante — mesmo quando estamos apenas com o celular na mão e não diante de um perigo real.

Essa resposta imediata ajuda a explicar sensações cada vez mais comuns: um incômodo que não se sabe nomear, uma inquietação que aparece do nada, o sentimento persistente de que algo ruim está prestes a acontecer. Segundo Camaratta, o problema se intensifica porque a informação chega mais rápido do que a mente consegue elaborar. “Quando não conseguimos processar o que chega, aquilo vira angústia — uma sensação sem nome que atravessa o corpo”, diz.

O corpo fala antes do pensamento

Para o organismo, uma notícia carregada de violência ou ameaça ativará o mesmo circuito neurobiológico que seria despertado diante de um perigo real.
Mesmo sentados no sofá, o corpo reage como se precisasse lutar ou fugir: músculos contraídos, respiração curta, tensão interna. Em algumas pessoas, esse estado prolongado se transforma em sintomas físicos — dores de cabeça, alterações digestivas, irritabilidade, dificuldade para dormir ou uma sensação permanente de vigilância.

“Estamos parados, mas o corpo age como se fosse preciso se defender. Ele sente aquilo que a mente ainda não conseguiu pensar”, explica a psicanalista.

Por que reagimos tanto às notícias negativas?

Camaratta aponta que o sofrimento não vem apenas do conteúdo, mas do modo como ele é consumido hoje: fragmentado, repetitivo e sem pausa. A avalanche de informações cria uma espécie de tempo psíquico insuficiente. A notícia chega, mas não encontra espaço interno para ser compreendida.

“Ficamos expostos a uma torrente de realidade para a qual não temos tempo de elaboração. Quando não há intervalo, a notícia deixa de informar e passa a invadir”, afirma. É nesse ponto que o impacto emocional se amplia, afetando sono, humor, concentração e até a forma como nos relacionamos com o cotidiano.

Quem fica mais vulnerável

Períodos de maior fragilidade emocional tornam o indivíduo mais sensível ao excesso de estímulos. Pessoas vivendo luto, esgotamento, ansiedade ou insegurança tendem a sentir o impacto de maneira mais profunda. A ausência de redes de apoio — afetivas, sociais ou econômicas — também aumenta a vulnerabilidade.

Crianças e adolescentes merecem atenção redobrada. Ainda em formação, podem interpretar conteúdos negativos de forma literal, transformando informação em fantasia catastrófica.
“O contato precisa ser mediado. A função do adulto é ajudar a criar sentido, colocar palavras onde só existe sensação”, orienta Camaratta.

Como se proteger sem se desconectar

A solução, afirma a psicanalista, não é se afastar completamente das notícias, mas recuperar a capacidade de escolher quando e como se expor. Criar limites psíquicos é tão importante quanto criar limites digitais.

Entre as estratégias possíveis estão:

  • definir horários específicos para se atualizar

  • evitar a busca compulsiva por novos alertas

  • priorizar fontes que ofereçam contexto e não apenas impacto

  • estabelecer pausas reais ao longo do dia

  • retomar rotinas básicas que sustentam o corpo, como dormir bem, se alimentar com calma e caminhar

“A palavra transforma a sensação em pensamento. O que conseguimos nomear deixa de nos dominar”, explica. Quando o impacto emocional persiste, a psicoterapia pode ajudar a reorganizar o excesso e fortalecer o sujeito diante das demandas externas.

O desafio contemporâneo

Vivemos um tempo em que a informação chega antes da respiração. O celular vibra, a tela acende, o corpo reage — tudo isso antes de qualquer elaboração interna. Nesse cenário, o grande desafio é reconstruir o intervalo entre o fato e a reação, entre a notícia e o corpo.

“É nesse intervalo que voltamos a nós. A realidade continua ali, mas já não nos atravessa como ameaça. Podemos, enfim, habitá-la sem nos perder”, conclui Camaratta.