Startups estrangeiras enfrentam sistema tributário mais complexo do mundo ao iniciar operações no Brasil aponta CEO da Ayres Contabilidade

Profissional relata, a partir da entrada de uma startup canadense de crédito de carbono, os entraves operacionais e fiscais que marcam a adaptação de grupos internacionais ao ambiente brasileiro

A adaptação de empresas estrangeiras ao mercado brasileiro continua sendo um dos principais desafios para grupos que buscam expandir operações para a América Latina. A avaliação é de Alessandro Ayres, CEO da Ayres Contabilidade, com atuação multinacional e mais de 20 anos de experiência em projetos de estruturação financeira e contábil no Brasil.

Segundo ele, a entrada recente de uma startup canadense do setor de crédito de carbono, que inicia operações no país com apoio da Ayres Contabilidade, ilustra a combinação de oportunidades e barreiras estruturais do ambiente regulatório brasileiro. “O interesse de empresas estrangeiras pelo Brasil existe, mas o grau de complexidade tributária continua sendo um divisor de águas. É preciso preparar uma operação capaz de funcionar no Brasil sem comprometer o modelo de negócio original”, afirma Ayres.

O caso da empresa canadense envolve a fase inicial de implantação: definição societária, mapeamento fiscal, enquadramento contábil, implantação de controles e adequação às regras que envolvem serviços digitais e atividades ambientais, etapas que, segundo ele, avançam desde o início de 2025.

Brasil se mantém entre os países com maior dificuldade regulatória

Relatórios internacionais confirmam o diagnóstico. O antigo estudo Doing Business, do Banco Mundial, da última edição publicada em 2020 colocava o Brasil entre os países em que as empresas mais gastam horas por ano para cumprir obrigações fiscais: 1.501 horas anuais, contra cerca de 158 horas nos Estados Unidos. Pesquisas recentes da OCDE mostram que o país segue entre os sistemas tributários mais onerosos em número de declarações, regimes e especificidades estaduais e municipais.

Para empresas de tecnologia e serviços digitais, acrescenta Ayres, o impacto é ainda maior. “A legislação brasileira cria camadas diferentes para impostos federais, estaduais e municipais. Quem chega de fora precisa entender que enquadramento, CNAEs, modelo de nota fiscal, tipo de serviço e até detalhes contratuais podem alterar completamente a carga tributária.”

Startups de crédito de carbono e o desafio da conformidade

No caso da startup canadense, que atua na mensuração e comercialização de créditos de carbono, o processo inclui adequações adicionais. O Brasil é um dos países mais regulados do mundo em temas ambientais, e a criação do mercado regulado de carbono, em discussão no Congresso desde 2024, deve ampliar exigências de reporte, auditoria e rastreabilidade.

“Empresas desse segmento precisam comprovar metodologias, validar dados e estruturar relatórios com padrão compatível com o que é exigido no Brasil. Ao mesmo tempo, precisam manter a lógica operacional global. É um equilíbrio fino entre compliance e desempenho”, diz Ayres.

Modelos de adaptação: o que difere do mercado americano

A experiência comparativa com operações norte-americanas ajuda a dimensionar o contraste. Nos EUA, a carga regulatória é mais estável e o ambiente tributário, embora variado entre estados, costuma permitir projeções de longo prazo com maior precisão. “O investidor estrangeiro acostumado ao modelo americano estranha a velocidade das mudanças e a sobreposição entre normas federais, estaduais e municipais no Brasil”, afirma Ayres.

Ele explica que, em projetos conduzidos ao longo da carreira, a diferença mais sensível entre Brasil e EUA está na previsibilidade. “Nos Estados Unidos, o sistema é complexo, mas não é imprevisível. No Brasil, uma alteração estadual ou municipal pode mudar completamente o cenário tributário de um negócio.”

O que permite uma adaptação bem-sucedida

Para Ayres, operações estrangeiras que se adaptam com maior facilidade compartilham três fatores: planejamento detalhado, governança robusta e controle financeiro contínuo. Sistemas integrados, segregação correta de receitas, compliance contábil e análise de riscos são etapas que não podem ser tratadas como secundárias.

“Quando uma empresa chega ao Brasil com processos maduros e disposição para entender o sistema local, conseguimos criar eficiência. O que não funciona é replicar integralmente a operação de fora”, afirma.

No projeto com a startup canadense, conduzido pela Ayres Contabilidade, a fase atual envolve a implementação de um modelo híbrido, contabilidade brasileira alinhada ao compliance internacional, governança adaptada e estrutura tributária desenhada para permitir escalabilidade. Ayres afirma que esse desenho inicial define o futuro da operação. “Se a estrutura nasce certa, a expansão ocorre com segurança. Se nasce desalinhada, os riscos fiscais, trabalhistas e operacionais aparecem rapidamente.”

Um mercado desafiador, mas estratégico

Apesar das barreiras, o Brasil continua sendo um destino relevante. A presença de startups de economia verde reforça um movimento global: empresas do Norte Global se aproximam de países com potencial ambiental e grande mercado consumidor, como o Brasil.

“A oportunidade existe. O papel da consultoria e da controladoria é garantir que esse investimento chegue ao país sem se perder na complexidade do sistema”, conclui Ayres.