* Raphael Augusto Godoi Franco de Souza, RalphTheKiD
Sou artista, produtor musical, DJ e engenheiro de áudio. Desde que entrei em um estúdio pela primeira vez, entendi que minha trajetória não seria construída apenas na batida, mas na responsabilidade de elevar tecnicamente aquilo que a rua sempre produziu com alma. O funk e o trap que me formaram vieram da vivência, mas se tornaram, para mim, um campo de estudo. Não bastava fazer soar forte. Era preciso fazer soar certo.
E foi isso que me levou, anos atrás, a aprender mixagem e masterização, conhecimentos que hoje aprofundo para chegar cada vez mais perto de um som de alto nível e alcance global. Quando olhamos os dados, percebemos que essa expansão não é acaso. A IFPI mostrou, no Global Music Report 2024, que os gêneros urbanos e latinos cresceram 21,1% no streaming mundial no último ano. O mundo abriu espaço para a música urbana, e eu entendi que, para ocupar esse lugar, o funk precisava também mudar sua engenharia, sua dinâmica e sua precisão.
Foi isso que me levou a mergulhar na mixagem e na masterização como elementos centrais da minha identidade artística. Sempre soube que o grave é a espinha dorsal do nosso som, mas aprendi que ele só ganha força real quando respeita os padrões internacionais de loudness e distribuição de frequência. Plataformas reduzem entre dois e seis decibéis de músicas muito comprimidas, segundo o Loudness Penalty, e isso muda completamente o impacto de faixas pensadas para pista, rua e streaming. Esse entendimento técnico moldou meu jeito de produzir.
Minhas produções, que já ultrapassam 231 milhões de streams, carregam esse compromisso. Cada sessão com Recayd Mob, Veigh, Menor MC ou Ajuliacosta não foi só uma colaboração musical; foi uma oportunidade de testar limites e adaptar a sonoridade brasileira aos ambientes onde ela quer chegar. Trabalhar uma faixa inédita com Ricky Martin e Lucas Lucco, por exemplo, me mostrou com clareza como o reggaeton, o funk e o pop precisam de organização técnica para coexistirem com força.
Essa visão me levou além das fronteiras do Brasil. Produzi em São Paulo um trabalho que foi lançado pela plataforma On The Radar, de Nova York, senti a diferença que a engenharia de som faz na percepção de um gênero. Ali, tudo é medido, pesado, calibrado. Os graves precisam ser sólidos e controlados. A dinâmica tem que respirar. A voz precisa se projetar sem brigar com o instrumental. E foi essa clareza que me convenceu de que o futuro do funk depende da qualidade técnica tanto quanto da criatividade.
Vejo hoje que o avanço do áudio imersivo, que já cresce acima de 30% em produções urbanas segundo relatórios divulgados na Music Business Worldwide, aponta para outra virada. Mesmo que o funk ainda esteja mais presente no estéreo, a demanda por experiências tridimensionais já influencia a forma como produzimos. É uma nova fronteira, e eu não quero que o Brasil chegue atrasado nela.
Além do estúdio, minha expressão artística se estende para a moda e a cultura de rua. Caminhei pelas passarelas do São Paulo Fashion Week com a Amapô e fundei minha marca de streetwear, a Human After All. São linguagens diferentes, mas que nascem da mesma fonte: a necessidade de transformar vivência em estética e estética em identidade.
Agora, me preparo para uma nova fase da minha trajetória, com base artística em Miami. Não encaro essa mudança como fuga do Brasil, mas como ampliação do território onde a nossa música pode ecoar. Quero consolidar pontes entre o funk brasileiro e os centros internacionais de produção, mostrando que o som que veio das ruas pode ocupar qualquer lugar do estúdio mais sofisticado ao fone de ouvido de qualquer pessoa no mundo.
Não acredito que fazemos música apenas para tocar. Fazemos música para permanecer. E, para isso, cada beat precisa carregar a mesma essência do começo: a rua, a verdade, a técnica e a coragem de sonhar grande.