Conflitos familiares que começam no testamento: como a ausência de planejamento sucessório afeta a saúde mental dos herdeiros

Advogada alerta que o luto associado à desorganização patrimonial tem potencial de causar rupturas familiares, traumas psicológicos e prejuízos financeiros que poderiam ser evitados com planejamento jurídico prévio

A morte de um ente querido é um dos momentos mais delicados da vida — e pode se tornar ainda mais doloroso quando há disputas entre os herdeiros. O que poucos sabem é que a falta de um planejamento sucessório estruturado não apenas compromete o patrimônio familiar, mas também a saúde mental dos envolvidos.

“É muito comum as pessoas evitarem falar sobre morte. Mas, ao adiar decisões importantes sobre testamento, doações em vida ou estruturação de uma holding, acabam deixando os herdeiros vulneráveis a longos processos judiciais e conflitos emocionais que poderiam ser prevenidos”, afirma a advogada Gislene Costa, especialista em planejamento patrimonial, sucessório e matrimonial.

Segundo o Colégio Notarial do Brasil, o número de inventários extrajudiciais cresceu 32% em 2024, indicando que mais famílias estão buscando alternativas fora do Judiciário. No entanto, cerca de 60% das transmissões de bens ainda ocorrem via inventário judicial — processo que pode durar entre 3 a 10 anos e comprometer até 20% do valor do patrimônio com custos e impostos, além de honorários e possíveis disputas.

“Já atendi famílias que romperam laços irreversíveis por conta de uma herança mal resolvida. E, muitas vezes, o que gera a ruptura não é o valor do patrimônio, mas a sensação de injustiça, surpresa ou favoritismo percebido durante a partilha. Isso gera mágoas profundas, que impactam diretamente a saúde emocional dos herdeiros”, explica Gislene.

Além da sobrecarga emocional, o inventário judicial traz instabilidade financeira. “Imagine herdeiros que contam com um imóvel alugado ou com dividendos de uma empresa familiar, mas não conseguem acessar os recursos por anos. Isso compromete a vida financeira de todos e gera frustração, especialmente quando há filhos ou cônjuges em situação de vulnerabilidade”, complementa.

Gislene destaca três ferramentas jurídicas que ajudam a evitar esse cenário:

  1. Testamento – distribui bens de forma clara e pode incluir cláusulas personalizadas.
  2. Doação em vida com cláusula de usufruto vitalício – antecipa a partilha sem abrir mão do controle sobre os bens.
  3. Holding familiar – organiza o patrimônio dentro de uma empresa, facilitando a sucessão, reduzindo custos tributários e blindando os bens contra disputas judiciais.

“A holding é especialmente recomendada para famílias com imóveis, empresas, cotas ou investimentos relevantes. Com ela, é possível planejar a sucessão via contrato social, evitar o inventário e ainda garantir a governança dos bens em vida”, detalha Gislene.

A advogada afirma que a relação entre Direito Sucessório e saúde mental ainda é pouco discutida, mas absolutamente urgente. “O luto já é um momento de instabilidade emocional. Quando há litígio, má comunicação e insegurança patrimonial, isso se transforma em ansiedade, depressão e até traumas familiares irreversíveis. Planejar é um ato de amor e de saúde emocional coletiva.”

O mês de setembro, marcado pela campanha Setembro Amarelo, é um bom momento para trazer esse tipo de conversa à tona. “Falar sobre morte com responsabilidade é, também, cuidar dos vivos. É possível proteger quem fica e, ao mesmo tempo, garantir que seu legado seja respeitado com dignidade e paz”, finaliza Gislene.

📊 BOX: Impacto da falta de planejamento sucessório

  • 60% dos inventários ainda ocorrem judicialmente no Brasil.
  • Tempo médio de duração: 3 a 10 anos.
  • Custo estimado: de 10% a 20% do valor do patrimônio.
  • Mais de 35 mil disputas por herança tramitaram no Judiciário em 2024.
  • Inventários extrajudiciais cresceram 32% em 2024 (CNB).
  • 70% das famílias empresárias perdem patrimônio na passagem entre gerações (dados IBGE/Fundação Dom Cabral).