*Por Fábio Ferreira Menezes, advogado

Tenho acompanhado de perto o avanço das compras públicas colaborativas e das contratações compartilhadas como uma resposta concreta da administração pública à necessidade de ganhar escala, reduzir custos administrativos e padronizar aquisições recorrentes. As atas de registro de preços compartilhadas se consolidaram como um dos principais instrumentos desse movimento, especialmente em contratações de bens e serviços padronizados. Ainda assim, a experiência prática demonstra que a eficiência prometida depende menos do modelo e mais da forma como ele é estruturado e executado.
O Sistema de Registro de Preços permanece como um dos pilares das contratações públicas no país, permitindo que órgãos participantes e não participantes utilizem uma mesma ata, desde que observados os requisitos legais. O próprio Painel de Compras do Governo Federal evidencia a relevância do SRP e permite acompanhar contratações realizadas tanto pelos órgãos gerenciadores quanto pelos chamados “caronas”, o que confirma que a adesão às atas já faz parte da rotina de aquisição em diversas áreas da administração.
A Lei nº 14.133, de 2021, ao manter o SRP, buscou qualificar esse uso ao reforçar exigências como planejamento prévio, compatibilidade de demandas e demonstração de vantajosidade econômica nas adesões. A intenção foi enfrentar distorções históricas associadas ao uso indiscriminado das atas compartilhadas. No entanto, o que observo na prática é uma aplicação ainda desigual dessas exigências, variando conforme a maturidade técnica e institucional de cada ente público.
O planejamento continua sendo o ponto mais sensível das compras colaborativas. Para que uma ata seja efetivamente compartilhável, é necessário alinhar especificações técnicas, prazos e volumes estimados de consumo entre diferentes órgãos. Quando esse alinhamento não ocorre, surgem atas excessivamente genéricas, que comprometem a execução contratual, ou documentos tão restritivos que inviabilizam adesões futuras. Em ambos os casos, o problema não está no modelo, mas na etapa preparatória.
As adesões posteriores às atas também seguem como foco recorrente de questionamentos pelos órgãos de controle. Ainda que a legislação permita a figura do órgão não participante, a adesão exige justificativa técnica consistente, demonstração de vantajosidade e observância dos limites quantitativos previstos. Na ausência desses elementos, o risco jurídico aumenta, sobretudo quando o volume aderido altera de forma relevante o equilíbrio originalmente licitado.
Outro aspecto que merece atenção é o impacto das contratações compartilhadas sobre o mercado fornecedor. Compras agregadas tendem a favorecer empresas com maior capacidade operacional e logística, o que pode reduzir a participação de pequenos e médios fornecedores locais. Esse efeito colateral precisa ser considerado no desenho das atas, especialmente quando a política pública envolvida busca conciliar eficiência com desenvolvimento regional e estímulo à competitividade.
Do ponto de vista jurídico e de controle, a segurança das atas compartilhadas está diretamente relacionada à qualidade da instrução processual. Orientações técnicas e auditorias apontam, de forma recorrente, fragilidades em estudos técnicos preliminares, pesquisas de preços e gestão contratual após a adesão. Esses fatores ampliam riscos independentemente de a contratação ser individual ou compartilhada.
Entendo que o avanço das compras públicas colaborativas é irreversível, impulsionado pela digitalização dos processos, pela pressão fiscal e pela complexidade crescente das contratações. O desafio central não está em ampliar o número de adesões, mas em qualificar decisões, fortalecer o planejamento e garantir governança ao longo de todo o ciclo contratual. Atas compartilhadas não são, por si só, um atalho para a boa gestão. Elas funcionam quando inseridas em um processo técnico consistente, transparente e responsável. É nesse terreno analítico, e não retórico, que esse debate precisa evoluir.
Sobre Fábio Menezes
Fábio Ferreira Menezes é advogado especializado em Direito Administrativo, Licitações e Contratos Públicos, com mais de 20 anos de atuação. Sócio fundador do escritório Fábio F. Menezes Advogados, acumula experiência em consultoria estratégica para empresas licitantes e órgãos públicos, mediação, arbitragem, auditorias e condução de processos licitatórios presenciais e eletrônicos. Já exerceu funções técnicas na Câmara Municipal de Barueri e atua como Assessor Técnico da Secretaria do Verde e Meio Ambiente de São Paulo.
Sua atuação é focada na prevenção de riscos, na segurança jurídica das contratações governamentais e na estruturação de projetos complexos, da elaboração de editais à execução contratual, incluindo defesa em processos administrativos e judiciais.