Por Daniel Martinelli Lourenzi
Escrever sobre a evolução da indústria de alimentos é, para mim, revisitar mais de vinte anos de trabalho com ingredientes, formulações e desenvolvimento de produtos. Ao longo desse período, acompanhei mudanças significativas na forma como as empresas criam alimentos e bebidas e, principalmente, na forma como as pessoas escolhem o que consomem. Hoje, observo um ponto de inflexão claro: a consolidação de um movimento em que saúde, ciência e personalização se tornam elementos estruturantes da inovação.
Quando olho para o cenário global atual, vejo que a busca por benefícios funcionais deixou de ser uma tendência segmentada e se transformou em um eixo central de desenvolvimento. Diversas pesquisas internacionais mostram esse avanço. Nos Estados Unidos, por exemplo, levantamentos do IFIC indicam que mais de 70 por cento dos consumidores priorizam atributos ligados à saúde ao escolher alimentos e bebidas. Dados da FMCG Gurus também revelam crescimento expressivo no interesse por microbiota, performance metabólica e bem-estar mental nos últimos anos. Esses números têm implicações diretas para quem atua no desenvolvimento de ingredientes, porque apontam para uma mudança consistente na relação entre consumo e biologia.
Essa transformação também traz desafios técnicos importantes. Ingredientes que prometem funcionalidade precisam entregar eficácia, segurança e estabilidade. A transição entre um conceito científico e um produto viável depende de compreensão profunda dos processos industriais, do comportamento físico químico dos compostos e das interações entre ingredientes em formulações reais. Ao longo da minha trajetória, percebi que é nesse ponto que muitos projetos se distanciam dos resultados esperados. A inovação, de fato, começa no insumo; é nele que estão a base técnica, a performance e a viabilidade econômica de qualquer lançamento. Essa combinação exige ajustes precisos de formulação, conhecimento de processos e entendimento profundo das interações entre ingredientes, um desafio que tem impulsionado o desenvolvimento de soluções mais sofisticadas e cientificamente embasadas.
O avanço da personalização amplia ainda mais esse cenário. A difusão de tecnologias de monitoramento, estudos em nutrição de precisão e análises biológicas individualizadas fazem com que o consumidor busque produtos que respondam às próprias necessidades fisiológicas. Essa mudança exige que a indústria desenvolva portfólios mais modulares, rastreáveis e cientificamente consistentes. Ao longo dos anos, pude observar como ingredientes como fibras de alta performance, compostos bioativos, proteínas alternativas e prebióticos passaram a desempenhar papel central em formulações voltadas à energia, foco, imunidade, controle glicêmico e equilíbrio emocional.
Outro aspecto relevante é a convergência entre funcionalidade e experiência sensorial. Não basta que um ingrediente ofereça benefício fisiológico; ele precisa permitir que o produto final alcance textura, sabor e naturalidade adequados. Essa é uma das dimensões mais desafiadoras da inovação em alimentos e suplementos: integrar benefício mensurável, estabilidade e qualidade sensorial em escala industrial. Para mim, essa convergência será determinante para consolidar novas categorias de produtos nos próximos anos.
Também observo que o setor se move em direção a modelos produtivos mais transparentes e sustentáveis. Tecnologias de extração limpa, cadeias de fornecimento rastreáveis e critérios ambientais mais rígidos têm influenciado tanto o desenvolvimento de ingredientes quanto às decisões das indústrias na escolha de parceiros. Ter atuado com fornecedores na América do Norte, Europa e Ásia me permitiu acompanhar de perto esse movimento, que já redefine padrões de qualidade e competitividade.
A combinação desses fatores me leva a uma reflexão sobre o futuro: a próxima década deve consolidar uma nova lógica para os alimentos. Não se trata apenas de produtos funcionais, mas de sistemas de produção orientados por ciência, prevenção em saúde, eficiência metabólica e propósito. A indústria que integrar esses elementos de forma consistente terá melhores condições de atender consumidores mais atentos, profissionais de saúde mais exigentes e cadeias produtivas mais reguladas.
Do ponto de vista de quem vive a prática técnica e industrial, essa transição abre espaço para avanços relevantes. Ela exige rigor científico, mas também flexibilidade para acompanhar a evolução rápida das evidências e das tecnologias disponíveis. Exige integração entre pesquisa, indústria e comportamento de consumo. E exige, sobretudo, que o setor reconheça que inovação não nasce apenas de tendências, mas da capacidade de transformar conhecimento científico em soluções acessíveis, seguras e aplicáveis em escala.
É justamente nesse cruzamento entre ciência, técnica e mercado que enxergo o caminho para os próximos anos da indústria de alimentos e ingredientes. Uma indústria menos guiada por percepções e mais orientada por dados, funcionalidade e impacto real na saúde das pessoas. Acredito que essa convergência definirá não apenas o futuro dos alimentos, mas também o papel estratégico dos ingredientes na promoção de saúde e bem-estar em escala global.